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MV BILL EM ENTREVISTA AO G1

Written By Unknown on domingo, 11 de agosto de 2013 | 14:40

Ele concorda quando Papa afirma que 'sem justiça social não haverá paz'.
'Continuo relevante porque não tem muita gente fazendo o que eu faço', diz.

Letícia MendesDo G1, em São Paulo

MV Bill divulga seu novo trabalho, 'Monstrão' (Foto: Divulgação/Bob Wolfenson)
"Monstrão", novo EP de MV Bill, está disponibilizado desde o dia 29 de julho em seu canal no YouTube. (Clique aqui para ouvir) Para a capa do sexto trabalho de sua carreira, com produção independente, o rapper foi retratado pelo famoso fotógrafo Bob Wolfenson. O álbum também conta as participações de Kmila CDD, irmã de MV Bill, e de Maira Freitas, filha do sambista Martinho da Vila.

MV Bill divulga seu novo trabalho, 'Monstrão' (Foto: Divulgação/Bob Wolfenson)Em entrevista ao G1, por telefone, o rapper, que também é escritor, ator e ativista, conta que queria dar "uma cara feminina ao disco" Ele conta que desde o sucesso da primeira parte de "Estilo vagabundo", seus shows ficaram mais "floridos". No entanto, a "denúncia social" se faz presente em músicas como "O soldado que fica", sobre a ação das Unidades de Polícia Pacificadora no Rio. "O Papa Francisco disse que sem justiça social não haverá paz e é o que eu penso também".
MV Bill divulga seu novo trabalho, 'Monstrão'
(Foto: Divulgação/Bob Wolfenson)
MV Bill afirma que usou máscara para participar de um protesto sem ser reconhecido e critica quem fez músicas querendo "entrar na onda". "Eu vi alguns artistas tentando compor rapidamente com essa temática e a maioria das que eu ouvi ficou desastrosa", diz. Autor de "Falcão: Meninos do tráfico", o rapper ainda conta que prepara um novo livro com o parceiro Celso Athayde, fundador da Cufa (Central Única das Favelas), e que está recebendo muitos convites para trabalhos no cinema e na TV, como a série "Se eu fosse você", que será exibida pela Fox. Abaixo, leia a entrevista na íntegra:
G1 – "Monstrão", música que abre e dá nome ao disco, parece falar de sua trajetória. O que é ser "monstrão"? Ser "monstrão" foi o que fez você chegar onde está hoje?
MV Bill –
 Essa expressão é muito utilizada quando os jovens adeptos do hip-hop se referem à minha pessoa. Eu procurei saber o que significa "monstrão" e descobri que, na maioria das vezes, é usado para identificar algo grandioso, contestador, que persiste, algo que as pessoas gostam, admiram. Eu sou um cara que nunca tirei férias, nunca parei na minha carreira, nunca tive um hiato entre um disco e outro. Dos meus contemporâneos, eu sou um dos poucos que continua na ativa. Eu falei para uma geração e, hoje, estou falando para os filhos dela. Conseguir sobreviver e estar na ativa até os dias de hoje, para mim, é um ato de muita monstruosidade.
G1 – Como foram as participações da Kmila CDD e da Maira Freitas e o samplear "Alegria, alegria", do Caetano, na música "Eu vou"?
MV Bill –
 O rap é criado a partir de misturas rítmicas e acho que só sobrevive vanguardista até os dias de hoje porque está sempre se reciclando. É muito mais por identificação com a cultura brasileira do que pela busca da aceitação. "Eu vou" também faz uma "brincadeira" com a ditadura que existe em parte do hip hop de que não se pode ir à TV, à mídia, que não se pode falar com um portal como o de vocês, por exemplo, e a gente nunca acreditou nisso. Se recebemos um convite relevante, a gente vai, no caso eu vou. A Kmila e a Maira dão uma cara feminina ao disco. Como sou eu que escrevo todas as letras, vejo nelas uma forma de passar mensagens dos sentimentos femininos. Eu consegui ficar um pouco mais sensível nessas questões por causa da minha vivência. Durante muito tempo, fui criado com quatro mulheres, minhas irmãs e minha mãe, então eram quatro TPMs mensais.
Já estava esperando que viessem novas músicas de rap que não fossem tão focadas na denúncia social. Por isso, meu trabalho continua relevante porque não tem muita gente fazendo o que eu faço"
MV Bill, rapper
G1 – O que você acha do rap mais romântico, como o do Pollo, que se lançou com "Vagalumes"?
MV Bill –
 Desde o ano passado eu venho pensando nisso. Ainda existe muita diferença social, ou não teriam essas manifestações e passeatas rolando no Brasil, mas a realidade deu uma transformada. Aqui mesmo na Cidade de Deus, onde eu moro e onde contextualizei meus primeiros discos, que são focados na violência, eu via falta de perspectiva de vida, de esperança, de amor. Hoje, ainda existe muita gente sem perspectiva, só que existe gente com formação acadêmica, que cresceu na vida, ganhou dinheiro e já se mudou, ou gente que deu um "upgrade" e continua aqui. Isso acaba refletindo na hora de escrever. Eu já estava esperando que viessem novas músicas de rap que não fossem tão focadas na denúncia social. Por isso, meu trabalho continua relevante porque não tem muita gente fazendo o que eu faço.
G1 – A terceira parte de "Estilo vagabundo" está nesse novo disco. Você acha que essa letra ainda pode virar um filme ou alguém além da música?
MV Bill –
 Vou ser sincero, eu nunca pensei nisso. O que você está falando agora está levantando uma bola que eu não tinha nem pensado. Quando eu fiz a primeira parte, em 2006, não sabia que ia tocar num assunto que fosse ter tanta identificação. Fiz me baseando em casais que vão aos bailes na Cidade de Deus, e já fui protagonista desse tipo de discussão. Surgiu a vontade de dar continuidade. Nas três versões, a mulher sempre sai vencedora das discussões, o que fez as apresentações ficarem mais floridas. Tinha mais homem nos shows e, hoje, vai muita mulher. A Kmila saiu da condição de backing vocal, que é o espaço que as mulheres têm no hip-hop, e passou a ser protagonista. Sem medo de ter mulher no comando.
MV Bill em salão de ideias da Feira do Livro de Ribeirão Preto (Foto: Adriano Oliveira/G1)MV Bill em salão de ideias da Feira do Livro de
Ribeirão Preto (Foto: Adriano Oliveira/G1)
G1 – "O soldado que fica" é emblemática, por falar da presença das UPPs [Unidade de Polícia Pacificadora] nas favelas do Rio. Como você acha que isso afetou o cotidiano das pessoas e a realidade dos rappers? A pacificação altera o discurso?
MV Bill –
 Inicialmente, o processo é positivo. No lugar de uma polícia que só entra nas favelas para tentar resolver algum problema pontual, criando um clima de hostilidade ainda maior entre moradores e policiais, você tem uma polícia permanente, o que tende a criar uma esperança e uma tranquilidade que não tinha. Logo de cara, temos uma sensação de segurança, com menos armas nas ruas, menor número de tiroteio, apreensão de drogas diminui. Para o processo de ocupação chegar à pacificação é um caminho um pouco mais longo. O Papa Francisco deixou uma mensagem importante. Ele disse que sem justiça social não haverá paz. E é o que eu penso. Sobre "O soldado que fica", na hora da ocupação, na maioria das vezes, os chefes das quadrilhas saem das favelas e designam alguém para ficar. Esses perdem a vida. O lance da música é ter o processo de pacificação como pano de fundo de uma história maior, que envolve uma família destruída.
G1 – Você pensou em escrever um livro sobre esse assunto?
MV Bill –
 Não necessariamente sobre esse assunto, mas o Celso [Athayde, criador da Central Única de Favelas] e eu estamos editando um novo livro, em que vamos contar um pouco das nossas histórias. Eu falo da Cidade de Deus e, das minhas transformações, e o Celso fala da Favela da Coreia, em Senador Camará. Acredito que sai em 2014.
MV Bill deve participar de blockbuster (Foto: Divulgação / Myspace)MV Bill (Foto: Divulgação/Myspace)
G1 – Para você, como  comunidades são retratadas em filmes, na TV?
MV Bill –
 Eu parei de ficar nesse policiamento, esperando que a favela vai ser bem retratada em tramas de dramaturgia, seja TV ou cinema. Quando não é bem feito, não me surpreende. Eu não espero que a ficção retrate com fidelidade. Hoje, o YouTube e as redes sociais em quesito de realidade, não de técnica ou enquadramento e fotografia, representam muito mais do que o que está na TV ou no cinema.
G1 – O rap norte-americano é conhecido pela ostentação e nós temos o "funk ostentação", que está em alta. O que você acha desse movimento, focado em São Paulo, e o que tem a ver com o hip-hop?
MV Bill –
 Tem muito a ver com o hip hop gringo. Às vezes, eu vejo uns vídeos de funk ostentação e, se tirar o áudio, parece um clipe de rap internacional. Isso é curioso porque nem todos os clipes de rap brasileiro tem muita similaridade com o rap americano. Essa realidade de SP está ganhando o Brasil e acredito que muitos jovens estão vivendo isso.
G1 – Com a morte do MC Daleste, falou-se que ele tinha inimigos por conta de seu discurso. Como rapper que também fala o que pensa, como você vê essa situação? A segurança nas casas de shows deve ser repensada?
MV Bill –
 Desde 2007, estou atento a isso de tocar em lugares que tenham uma estrutura mínima, que tenham segurança não só para quem está no palco, mas para os frequentadores. O que aconteceu com o MC Daleste foi uma parada muito fatal, independente da motivação. Eu nem conhecia ele, as músicas dele, mas ser morto no palco foi uma cena muito chocante. Mas, se tiver alguém na maldade, ela vai fazer em lugar que tem ou não tem segurança, mas se puder prevenir é melhor.
Tentam comparar
esse momento com os caras-pintadas do impeachment do Collor. Eu discordo.
Vi artistas tentando compor com essa temática e a maioria das que ouvi ficou desastrosa. Para mim, esse tipo de assunto tem que ser escrito de forma visceral"
MV Bill, rapper
G1 – Faz mais de 10 anos que você lançou músicas como "Só deus pode me julgar" e "Declaração de guerra". Para você, as letras continuam atuais?
MV Bill –
 Em uma das manifestações, eu fui à rua para ver como estava. Coloquei uma máscara para não ser reconhecido pelas pessoas. Queria me sentir como um cidadão comum, não me filmei nem tirei foto. Essas músicas de dez anos atrás, compus imaginando como seria o Brasil. Tentam comparar esse momento com os caras-pintadas do impeachment do Collor. Eu discordo. Acho que são momentos distintos. Eu vi alguns artistas tentando compor rapidamente com essa temática e a maioria das que eu ouvi ficou desastrosa. Para mim, esse tipo de assunto tem que ser escrito de forma visceral. Se eu fizer uma música nova, vai ser por conta do que eu estou sentindo, não por conta do mercado, em querer entrar na onda. Eu dou parabéns ao Brasil em estar acordando, mas desejo vida longa para quem nunca dormiu.
G1 – Você acha que seu trabalho na TV, como ator e apresentador, atrai um público novo para a sua música?
MV Bill –
 Sim, além disso abre um leque de opções um pouco maior do que o hip hop me ofereceria. Senti a necessidade de transcender os muros do hip hop. Hoje, eu tenho recebido muitos convites para participar de dramaturgia, atuar e fazer pontas em filmes, como fiz em "Odeio o dia dos namorados", com a Heloísa Perissé. Aliás, ela é uma menina muito maneira. E acabei de filmar agora "Se eu fosse você", que a história do filme está sendo adaptada para uma série de TV e vai passar no canal Fox. Eu faço o papel de um artista plástico falido que vive às custas da mulher. Além de estar me divertindo muito fazendo essas paradas de ator, estou gostando também desse novo momento, em que diretores e roteiristas, ao me convidarem, estão desprendidos de estereótipos. Estão me chamando para fazer qualquer tipo de papel. Acho que são sinais de mudança. Eu também gostaria muito de fazer roteiro. Deve ser como brincar de Deus.
G1 – Começou a nova temporada do seu programa no Canal Brasil. Você acha que os assuntos discutidos em "O bagulho é doido" não têm espaço na TV aberta?
MV Bill –
 Acho que a TV aberta merece e precisa desse tipo de discussão. Agora a questão do espaço é outra história. Os episódios foram gravados há três meses, antes das manifestações. Então, tem programa que a gente fala de exclusão social, de educação, corrupção, enfim, as demandas da manifestação já estão no DNA do programa. Vários assuntos são pertinentes, mas nem sempre a gente consegue ver discussões abertas e francas na TV brasileira.
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